As origens do Monoteísmo
"Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que tu não me conheças". (Isaías 45:5).

Entendido filosoficamente, monoteísmo é a doutrina segundo a qual há um único Ser, altíssimo, absoluto, infinito e espiritual-pessoal, como o fundamento de toda a realidade experimentada do mundo. De fato, o conceito ocidental de monoteísmo nasceu da crença judaica em Javé, libertada de conotações étnicas pela fé cristã e elevada ao nível das noções ontológicas com o auxílio de categorias filosóficas herdadas dos Gregos. Consciente ou inconscientemente, monoteísmo é inseparável de ideias como ser-eterno, ser-absoluto, onipotência, transcendência. Monoteísmo não é expressão de linguagem científica bem definida, mas de linguagem coloquial (mesmo usada cientificamente). A palavra monoteísmo vem da junção de duas palavras gregas. Mono que significa único, um; enquanto Theo significa deus. As três maiores religiões monoteístas do mundo são o judaísmo o cristianismo e o islamismo. O monoteísmo, para o Judaísmo, para o Cristianismo e para o Islamismo, tem em comum a mesma fonte: a Bíblia. Igualmente reconhecem Abraão como o pai comum de todas elas. Por isso, essas religiões também são chamadas de abraâmicas ou religiões do Livro. Além das religiões citadas acima há exemplos de monoteísmo em alguns períodos da História. No Egito, o faraó Aquenáton, pai de Tutancâmon, tentou estabelecer o culto de um único deus durante o seu reinado.
O profeta Zaratustra, também conhecido como Zoroastro, sistematizou o monoteísmo, na Pérsia (atual Irã). Trata-se de uma religião que defende as escolhas entre o Bem e o Mal, a existência do Paraíso, da ressurreição, na vinda de um messias. Ainda há remanescentes de comunidades zoroastristas na Índia. Durante o Império Romano, o imperador Constantino tenta apaziguar cristãos e pagãos instituindo o culto ao Deus-Sol, o qual o dia de adoração seria domingo.
Os Yazidís, que pertencem a etnia curda, são uma comunidade pré-islâmica que vive no Iraque. Também adoram um único deus, cujo representante na terra seria Melek Taus. Dentre todos esses povos monoteístas citados vamos dar destaque somente para dois deles: os egípcios e os hebreus.
A revolução de Aquenáton, o faraó que acabou com 2 mil deuses e instaurou o monoteísmo no Egito.

Tentando mudar
Desde o início de seu reinado, o faraó Aquenáton e sua mulher Nefertiti decidiram desafiar todo o sistema religioso do Antigo Egito. Dispostos a sacudir as bases de sua sociedade, eles criaram ideias que levariam o império à beira do abismo. O casal começou a reinar durante os anos dourados da civilização egípcia, por volta de 1.353 a. C., quando o império era o mais rico e poderoso do mundo, as colheitas eram abundantes, a população bem alimentada, os templos e palácios reais estavam cheios de tesouros e o exército obtia inúmeras vitórias contra todos os inimigos. Todos acreditavam que o sucesso vinha por conseguirem manter os deuses felizes. Foi então que Aquenáton chegou ao trono com o ímpeto de modificar uma religião de 1,5 mil anos de idade.

Somente o sol
A ideia era revolucionária: pela primeira vez na história, um faraó queria substituir o panteão de deuses egípcios por uma única divindade - o deus Sol, ou Atón, o criador de todos. A proposta era considerada uma heresia, mas como o faraó era considerado um deus na terra, tinha poderes ilimitados para modificar o que quisesse. Ele decretou que os 2 mil deuses que eram adorados no Egito, havia mais de um milênio, estavam extintos. Suas aparências humanas e animalescas foram substituídas pela forma abstrata do Sol e de seus raios.

Oração ao ar livre
A arquitetura do período também demonstra um desejo de romper com o passado. Os templos tradicionalmente fechados se afunilavam, com o piso levemente levantado o teto caído, e pouquíssima entrada de luz. O culto ao Sol trouxe santuários ao ar livre, algo que nunca havia sido feito em grande escala. Em certo momento, os únicos fiéis autorizados a entrar nos templos eram o faraó e sua mulher. A partir de textos encontrados nos dias de hoje, os estudiosos teorizam que Aquenáton e Nefertiti passaram a acreditar que somente eles podiam se comunicar com Atón. O faraó seria filho de Deus e Nefertiti também seria divina - os súditos deveriam adorá-los. Foi o ápice de sua revolução religiosa.
No entanto, as coisas começaram a desandar. Os súditos não haviam de fato abandonado a adoração aos outros deuses, então Aquenáton ordenou que todas as imagens dos deuses antigos fossem destruídas, especialmente as do deus maior do panteão, Amon-Rá. Também mandou seus soldados apagarem a memória de todos os deuses em suas terras. No fim de seu reinado, sua revolução se enfraqueceu - como ele se recusava a sair da nova cidade, era visto como fraco e o império como vulnerável a invasões. Tábuas de argila encontradas em Amarna mostram o estado em que se encontrava o império. Uma delas foi enviada pelo governante de um dos países vizinhos protegidos pelo faraó. Ele pedia que o Egito enviasse tropas para ajudá-lo a manter os hititas, inimigos do império:
"Já pedi, mas não fui respondido. Não me enviaram a ajuda de que preciso".
Aquenáton nunca enviou tropas e o Estado vizinho caiu nas mãos dos hititas - o exército estava tão ocupado em missões de perseguição religiosa que o Egito perdeu territórios, poder, posses e status no continente. Muitas tragédias sobrevieram na família de Aquenáton. Umas das princesas morreu e seus pais aparecem chorando - algo sem precedentes, já que as famílias reais jamais demonstravam emoções em público. Outras evidências indicam que Aquenáton perdeu mais de uma filha, provavelmente por causa da peste, que arrasava a região na época. Epidemias do tipo podiam matar até 40% da população, e, como era faraó, Aquenáton era considerado pessoalmente responsável pela desgraça. Para os súditos, a catástrofe era resultado de uma ofensa feita aos antigos deuses. No pico da crise, a rainha Nefertiti morreu e o soberano perdeu a mulher que o havia acompanhado desde o princípio.
Foi Tutancâmon quem resgatou os antigos deuses e restaurou o poder e a prosperidade do Egito. Os sacerdotes voltaram a ter seu antigo poder, e a vida voltou à normalidade. Nenhum outro faraó egípcio voltou a tentar mudar a ordem estabelecida e desafiar a religião tradicional. Os que vieram após Aquenáton se esforçaram por destruir todos os registros de seu culto herege.
A Bíblia ensina que o monoteísmo foi a concepção mais remota de Deus. O primeiro versículo do livro de Gênesis é monoteísta: "No princípio criou Deus os céus e a terra" (Gn 1.1). Todos os patriarcas, Abraão, Isaque e Jacó, apresentaram uma fé monoteísta. (Gn 12-50). Isto revela um Deus que criou o mundo e que, portanto, é diferente do mundo. Esses são os conceitos essenciais do teísmo ou monoteísmo.
Igualmente, bem antes de Moisés, José acreditou declaradamente em um monoteísmo moral. Sua recusa em cometer adultério é justificada pelo seu conhecimento de que seria um pecado contra Deus. Enquanto estava resistindo à tentação da esposa de Potifar, ele declarou:
"Como, pois, posso cometer este tão grande mal, e pecar contra Deus?" (Gn 39.9).
Jó, outro livro bíblico contextualizado em um período remoto da antiguidade, revela claramente uma visão monoteísta de Deus. Existem grandes evidências de que o livro de Jó desenvolveu-se em tempos patriarcais pré-mosaicos. O livro vislumbra um Deus todo-poderoso (Jó 5.17; 6.14; 8.3), um Deus pessoal (Jó 1.7-8) que é soberano sobre sua criação (Jó 42.1-2) e que criou o mundo:
"Onde você estava (Jó) quando eu lançava os fundamentos da terra? Diga-me se você conhece tanto." (Jó 38.4)
A historicidade de Gênesis
Não há nenhuma dúvida de que Gênesis apresenta uma concepção monoteísta de Deus. De igual modo, é claro, esse livro é o instrumento mais confiável que dispomos de um registro histórico da raça humana, desde os primeiros seres humanos. Consequentemente, os argumentos que atestem a historicidade dos primeiros capítulos de Gênesis favorecerão o monoteísmo primitivo. O notável arqueólogo William F. Albright demonstrou que o registro patriarcal de Gênesis (Gn 12-50) é histórico. Ele declara: "Graças à pesquisa moderna, reconhecemos agora sua significativa historicidade [da Bíblia]. As narrativas dos patriarcas, Moisés e o êxodo, a conquista de Canaã, os juízes, a monarquia, o exílio e a restauração de Israel, tudo tem sido confirmado e evidenciado em uma extensão que eu julgava impossível há quarenta anos". E acrescenta: "Não há um único historiador bíblico que não tenha se impressionado pela acumulação rápida de dados que apoiam a historicidade significativa da tradição patriarcal".
Entretanto, o livro de Gênesis é uma unidade literária e genealógica, tendo constituído listas de descendentes familiares (Gn 5,10) acompanhadas da relevante frase literária "esta é a história de" ou "estas são as origens dos" (Gn 2.4). A frase é usada largamente em outros trechos do livro de Gênesis (2.4; 5.1; 6.9; 10.1; 11.10,27; 25.12,19; 36.1,9; 37.2).
Além disso, a importante narrativa sobre a torre de Babel, capítulo 11, é referida por Jesus e pelos escritores do Novo Testamento como histórica. Também são citados por Cristo e pelos escritores do Novo Testamento: Adão e Eva (Mt 19.4,5), as tentações que sofreram (1Tm 2.14), sua posterior queda (Rm 5.12), o sacrifício de Caim e Abel (Hb 11.4), o assassinato de Abel por Caim (1Jo 3.12), o nascimento de Sete (Lc 3.38), a trasladação de Enoque (Hb 11.5), a menção do matrimônio antes dos tempos do dilúvio (Lc 17.27), a inundação e destruição do homem (Mt 24.39), a preservação de Noé e sua família (2Pe 2.5), a genealogia de Sem (Lc 3.35,36) e o nascimento de Abraão (Lc 3.34). Assim, a pessoa que questionar a historicidade de Gênesis, consequentemente terá de questionar também a autoridade das palavras de Cristo e de muitos outros escritores bíblicos que recorreram ao livro de Gênesis. Em particular, existem fortes evidências para a historicidade dos registros bíblicos sobre Adão e Eva. Esses registros revelam que os pais da raça humana foram monoteístas desde o princípio (Gn 1.1,27; 2.16,17; 4.26; 5.1,2).
"A Sete nasceu-lhe também um filho, ao qual pôs o nome Enos; daí se começou a invocar o nome do Senhor". (Gênesis 4.26)
A evidência do livro de Jó
Semelhante a Gênesis, Jó é possivelmente um dos livros mais antigos do Velho Testamento. Ao menos há um consenso entre os estudiosos de que sua história originou-se em tempos patriarcais, sendo, portanto, pré-mosaica. De igual modo, o livro de Jó também confirma o monoteísmo e a pessoalidade de Deus. Revela um Deus pessoal (1.6,21), moral (1.1; 8.3,4), soberano (42.1,2), Todo-Poderoso (5.17; 6.14; 8.3; 13.3) e Criador (4.17; 9.8,9; 26.7; 38.6,7). O posicionamento da história de Jó como primitiva possui vários fundamentos:
1) Sua organização familiar em clãs, adotada no período pré-mosaico e abolida posteriormente entre os hebreus;
2) A ausência total de qualquer referência à lei de Moisés;
3) O emprego patriarcal peculiar para o nome de Deus: Todo-Poderoso (5.17; 6.4; 8.3 / Gn 17.1; 28.3);
4) A comparativa raridade com que é empregado o nome SENHOR (Yahweh) (Êx 6.3);
5) O oferecimento de sacrifícios pelo chefe da família em oposição ao sacerdócio levítico;
6) A menção da cunhagem primitiva de moedas, implícita na expressão "peças de dinheiro" (42.11 / Gn 33.19);
7) O uso da expressão "os filhos de Deus" (1.6; 2.1; 38.7), encontrada apenas em Gênesis 6.2-4;
8) A longevidade de Jó, que viveu 140 anos depois que sua família foi restabelecida (42.16), ajusta-se ao período patriarcal.
Jó fala de um Deus que criou o mundo (Jó 38.4), que é soberano sobre todas as coisas (42.2), inclusive sobre Satanás (1.1,6,21). Todas essas coisas são características de uma concepção monoteísta de Deus. Assim, os tempos primitivos de Jó revelam que o monoteísmo não teve um desenvolvimento recente como afirma James Frazer em sua teoria do monoteísmo recente.
Abrão e o monoteísmo
O patriarca, sua mulher Sarai, o sobrinho Ló e os escravos que haviam adquirido, estabeleceram-se em Canaã: "Abrão atravessou a terra até o lugar santo de Siquém, no Carvalho de Moré. Nesse tempo, os cananeus habitavam essa terra". Mas Deus declarou-se o proprietário das terras dos cananeus e prometeu-a a Abraão: "Javé apareceu a Abrão e lhe disse:
Eu darei esta terra à sua descendência. Abrão construiu alí um altar a Javé, que lhe havia aparecido". (Gn 12.6-7).
Abraão teve que migrar para o Egito. O livro do Gênesis relata a trajetória dos descendentes do patriarca até o estabelecimento no Egito. Os filhos de Israel se multiplicaram no Egito, e foram escravizados pelo faraó. Javé recorda da aliança feita com Abraão e a sua descendência e decide agir, através de Moisés, para libertar seu povo e encaminhá-lo à terra prometida. Nessa época, o politeísmo prevalecia na região. Paulatinamente, as demais divindades passaram a ser negadas e incorporadas na crença do Deus único.Deus veio à existência como um fusão de vários deuses e deusas semíticos que Israel havia encontrado em sua história originalmente nômade. À medida que o monoteísmo progressivamente suplantava o politeísmo em Israel, os poderes, responsabilidades e respectivos traços de personalidade dessas divindades, em vez de simplesmente suprimidos, tendiam a aparecer em novas atribuições a Javé Elohim, Deus de Israel.A prevalência do Deus de Abraão representou a vitória de Javé sobre as diversas divindades semíticas e também expressa a necessidade de o povo escolhido, o povo hebreu, vencer simultaneamente os outros povos e os seus deuses. A imposição do Deus judaico exigia a predominância deste povo como nação diante das demais nações e seus povos. Como enfatiza Croatto, "A Bíblia registra a luta entre o Deus de Israel, Iahweh e os deuses estrangeiros (élohê nekar, "deuses do estrangeiro"), ou simplesmente outros deuses (élohim ajerim)". A revelação de Deus a Abraão, e sua aliança com o povo escolhido, marca a origem do monoteísmo judaico. Este fato representou uma verdadeira revolução mental e social. Jeová não apenas eliminou todos os seus concorrentes sobrenaturais, mas fundou também um novo tipo de relação com os judeus: um contrato com deveres e direitos mútuos. Os judeus seguiriam minuciosamente a lei sagrada e se transformaria num povo sacerdotal, voltado ao serviço divino. Em contrapartida, Deus lideraria e protegeria seu povo. Em vez da imprevisibilidade caótica de uma natureza pouco controlada, cujos acessos de raiva fatais eram atribuídas à arbitrariedade e à irresponsabilidade dos deuses, entrou em cena uma entidade onipotente, onisciente e totalmente boa.
Podemos encontrar na epístola de Paulo aos Romanos, no seu primeiro capítulo, a afirmação de que o monoteísmo precedeu o animismo e o politeísmo, desmascarando assim a tese de James . O texto declara:
"Porquanto o que de Deus se pode conhecer, neles se manifesta, porque Deus lhes manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis; porquanto tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos, e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis. Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém" (Rm 1.19-25).
O monoteísmo deturpado
Em suma, as origens do politeísmo podem ser explicadas como uma degeneração do monoteísmo original, como vimos na declaração anterior de Romanos 1.19. Quer dizer, o paganismo originou-se do monoteísmo primitivo, e não o contrário. Isso é evidenciado no fato de que a maioria das religiões pré-alfabetizadas possuía uma visão monoteísta de Deus. William F. Albright reconhece, igualmente, que os respectivos deuses dessas religiões "eram considerados todo-poderosos e cridos como criadores do mundo; eram, geralmente, deidades cósmicas e seus adeptos, frequentemente, acreditavam que tais deuses residiam no céu". Não há nenhuma razão concreta para negar o monoteísmo primitivo apresentado pela Bíblia. Pelo contrário, há toda evidência para acreditar que o monoteísmo foi a primeira concepção religiosa que algumas religiões deturparam. De fato, essa é a posição que melhor se ajusta à forte evidência de que o monoteísmo revelado na Bíblia foi distorcido pelas tendências humanas. Em resumo, na concepção correta de Deus, o monoteísmo primitivo, foi resgatado, e não evoluído durante séculos. Deus fez o Homem conforme a sua imagem, mas os homens corromperam esta verdade:
"...porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos e mudaram a glória de Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis". (Romanos 1.21,22,23)
A essa altura temos, então, três argumentos que alguém pode escolher investigar :
1. Se mais de um Deus existisse, então o universo estaria em total desordem por causa de múltiplos criadores e autoridades, mas não está em desordem; portanto, há apenas um Deus;
2. Já que Deus é um ser completamente perfeito, então não pode existir um segundo Deus, pois eles teriam que ser diferentes de alguma forma, e ser diferente de perfeição completa é ser menos que perfeito e não Deus;
3. Já que Deus é infinito em Sua existência, então Ele não pode ter partes (pois partes não podem ser adicionadas para alcançar o infinito). Se a existência de Deus não for apenas uma parte dEle (como é o caso de todas as coisas, quer existam ou não), então Ele tem que ter uma existência infinita. Portanto, não pode haver dois seres infinitos, pois um teria que ser diferente do outro, e ser diferente da existência infinita é não existir de forma alguma.
Alguém pode querer dizer que muitos desses argumentos não excluiriam uma subclasse de "deuses", e isso é aceitável. Apesar de sabermos que isso não é verdade, biblicamente falando, não há nada de errado com esse pensamento em teoria. Em outras palavras, Deus poderia ter criado uma subclasse de "deuses", mas a verdade é que Ele não fez assim. Se tivesse, esses "deuses" seriam seres criados e com limites, provavelmente como os anjos (veja Salmo 82). Isso não é um argumento contra o monoteísmo - o qual não defende que não possa haver outros seres espirituais - apenas que não pode existir mais de um Deus.

"Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força". (Deuteronômio 6.4.5)
Este versículo que inicia uma das mais antigas e importantes orações do judaísmo, o Shemá, é a declaração de fé do povo judeu. Nesta é proclamada a própria essência do judaísmo, o que sempre diferenciou os judeus de outros povos: a crença na Unidade e Unicidade de Deus e a lealdade eterna de Israel para com seu Deus. Shemá Israel foi o que o patriarca Jacob ouviu dos filhos em seu leito de morte. Foram as palavras usadas por Moisés para se dirigir aos judeus em seu último discurso, no deserto.
O versículo resume o primeiro e o segundo mandamento do Decálogo; é a primeira oração que a mãe ensina a seu filho; são as últimas palavras pronunciadas por um judeu antes da morte. Presenciar durante a Neilá, ao término do Yom Kipur, um judeu recitar em voz alta, em uníssono com sua comunidade, o Shemá Israel, é uma experiência espiritual inigualável. Com as palavras do Shemá nos lábios, muitos judeus enfrentaram as fogueiras da Inquisição e as câmaras de gás durante a Segunda Guerra. Foram as últimas palavras de Rabi Akiva que, preso pelos romanos após a revolta de Bar Kochba, na Judéia, foi cruelmente torturado e executado em praça pública. Segundo o Talmud, ao pronunciar a palavra Ehad, Único, a alma de Rabi Akiva deixou seu corpo.
A força desse versículo é tamanha que, mesmo se um judeu estiver isolado e todos os traços de identidade judaica forem apagados, o Shemá não o abandonará, permanecendo na memória e o mantendo ciente de sua identidade como judeu. Ao ser evocado, uma "mágica" ocorre no subconsciente e o indivíduo se reaproxima de seu povo e de sua fé ancestral. O Midrash nos ensina que no Sinai, além dos dois milhões de hebreus que haviam saído do Egito, todas as almas judias, incluindo as futuras gerações, ouviram a Voz Divina declarar "Eu sou Adonai, seu Deus". Todas fizeram parte da aliança eterna entre Deus e Israel. Estes acontecimentos extraordinários estão gravados nas almas de toda Israel para a eternidade.
Considerando o seu objetivo mais simples, a oração implica afirmações fundamentais para o judaísmo: Deus existe, é Um e Único, não tem corpo, está além do tempo, e devemos dirigir nossas preces exclusivamente a Ele.
O Shemá nos ensina que devemos amar a Deus, reconhecer e aceitar Seu reino, Sua Suprema autoridade e Sua vontade. Exorta-nos, também, a estudar Sua palavra, a Torá, e a ensiná-la às futuras gerações. A oração nos revela que o judaísmo não é simplesmente uma visão conceitual do mundo, nem uma filosofia abstrata, mas implica obrigações éticas e morais, mandamentos que Deus nos ordena e, portanto, devem ser seguidos. A mezuzá, o tefilin - que contêm as palavras do Shemá - e os tsitsit são "sinais" físicos que servem como lembrete de nossa Aliança e de nossas responsabilidades.
Mezuzá Tefilin Tsitsit (franjas)
A leitura do Shemá marca o início e o fim de cada dia. Quando perguntaram a rabi Levi por que o Shemá deve ser lido todos os dias, respondeu: "Porque os Dez Mandamentos nele estão contidos". A Torá ordena que o Shemá seja recitado duas vezes por dia e a tradição adicionou mais duas - uma antes do Shacharit (reza matinal), a outra à noite, antes de dormir. Segundo o Talmud, o Shemá tem o poder de afastar o mal. Nossos sábios recomendam que o Shemá seja lido "em qualquer língua que a pessoa entenda", pois é essencial que a mensagem seja compreendida.
Segundo a historiadora Yaffa Eliach, após a Segunda Guerra, um judeu americano decidiu resgatar o maior número de crianças judias que haviam sido escondidas em mosteiros e orfanatos na perseguição nazista. Ele teria ido à Europa, visitando mosteiro a mosteiro, orfanato a orfanato e, ao entrar em cada instituição, recitava o "Shemá". As crianças judias reconheciam as palavras. Deus seja louvado !