A cidade de Ur dos Caldeus
"Tomou Tera a Abrão, seu filho, e a Ló, filho de Harã, filho de seu filho, e a Sarai, sua nora, mulher de seu filho Abrão, e saiu com eles de Ur dos caldeus, para ir à terra de Canaã; foram até Harã, onde ficaram".
(Gênesis 11.31)

Pouco se sabe sobre essa cidade chamada Ur dos caldeus. A bíblia a cita somente em poucos versículos, o que nos faz pensar não se tratar de uma cidade com tanta importância. Mas tratava-se, muito provavelmente, de uma das cidades mais antigas do sul da Mesopotâmia, perto de onde o rio Eufrates desemboca no golfo Pérsico; atualmente localizada no sul do Iraque. Uma cidade de tal porte e importância como Ur dos caldeus dentro do ambiente do mundo bíblico não poderia passar desapercebida das páginas do texto sagrado. E a cidade merece destaque logo nos primeiros capítulos de Gênesis, justamente por sua grandeza, mas especialmente por ter sido o ponto de partida do patriarca Abrãao para a terra prometida. Outra menção sobre a região de Ur de Abrãao é feita por Josué no seu discurso final antes da entrada na terra de Canaã para a conquista:
"Eu, porém, tomei a vosso pai Abraão dalém do Rio, e o conduzi por toda a terra de Canaã; também multipliquei a sua descendência, e dei-lhe Isaque." (Josué 24.3)
Na bíblia ela se chama Ur dos caldeus, pois, vários séculos depois de Abraão, entre os anos 600 e 539 a.C., encontrava-se sob o domínio dos caldeus, povo semita que falava um dialeto aramaico. A lua era o principal deus da cidade, mas entre esse havia outros milhares. Antes de continuar, precisamos esclarecer algo sobre o nome Ur dos "caldeus". Em várias passagens de Gênesis em que Ur é mencionada, essa cidade é chamada de Ur dos caldeus. Mas isso é um tanto problemático pois os caldeus só surgiram nos textos assírios por volta de 1100 a.C., logo eles só chegariam a região 700 anos depois de Abrãao. E para completar, a expressão Ur dos "caldeus", pressupõe uma ascensão do poder dos caldeus e isso só aconteceu nos tempos da babilônia de Nabucodonosor, isto é, no final do sétimo século a.C; 1100 anos depois de Abrãao. Mas mesmo assim isso não depõe em nada a autenticidade da bíblia. Acontece que algum escriba, posterior a Moisés, certamente atualizou o texto para facilitar a compreensão atual daquilo que aconteceu antes de nossos dias. Ur dos caldeus ficava localizada em uma área do planeta chamada Fértil Crescente que é o nome de uma região situada no Oriente Médio, conhecida por ser o "berço" das primeiras civilizações da história. Localizada entre os vales dos rios Nilo, Tigre e Eufrates, tal faixa de terra reuniu as condições ideais para o desenvolvimento da agricultura e o surgimento dos primeiros assentamentos agrários, há cerca de 11 000 anos. O nome da região foi dado pelo arqueólogo James Breasted, em 1906, como uma referência ao fato de seu formato se assemelhar com o de uma lua crescente. Foi no Crescente Fértil que se desenvolveram duas das mais importantes civilizações do mundo antigo: a egípcia, no vale do rio Nilo, e a mesopotâmica, entre os rios Tigre e Eufrates (assinalada em verde no mapa abaixo).

Por meio da região do Fértil Crescente, a agricultura pôde se desenvolver e o homem finalmente deixou de ser nômade, passando assim a controlar sua própria provisão de alimentos. De fato, as inundações dos rios do Crescente Fértil criavam condições ideias para o desenvolvimento agrícola, já que tais cheias traziam consigo peixes mortos que acabavam fertilizando a terra. Com o passar do tempo e o surgimento de novas técnicas de cultivo, o homem foi capaz de desenvolver canais de irrigação para um grande número de plantações, além de enormes reservatórios, os quais permitiam que as populações acumulassem água por longos períodos de seca. E esse foi o caso dos habitantes de Ur. Tais aspectos desencadearam transformações importantíssimas, como a posterior invenção da linguagem escrita, da roda e de inúmeras outras ferramentas. Percebe-se que Ur era uma cidade super desenvolvida em agricultura, medicina e educação. Prova disso devemos ao então arqueólogo Sir. Leonard Wooley, que foi um dos primeiros arqueólogos a utilizar métodos de pesquisas mantendo cuidadosos registros e os usando para reconstruir a história e a vida antiga, que até então não se fazia. Após várias experiências Leonard começou seu maior trabalho em Ur. Essas escavações foram financiadas pelo Museu Britânico em parceria com a Universidade da Pensilvânia. Os trabalhos começaram em 1922 e seguiram por cerca de 13 anos com diversos intervalos. Durante as escavações em Ur, Leonard se casou com Katharine Keeling, uma arqueóloga que também participava das escavações. Katherine permaneceu sendo uma grande colaboradora dos trabalhos de Woolley até a sua morte em 1945. A famosa escritora britânica Agatha Christie também participou das escavações no sítio arqueológico de Ur juntamente com seu marido Max Mallowan, que era um renomado arqueólogo. (Woolley no sítio arqueológico de Ur).

Em setembro de 1922, Leonard Woolley fez as malas e partiu, com uma equipe de assistentes, para o sul do Iraque. Em 2 de novembro ele chegou a Ur, onde encontrou Sheikh Hamoudi ibn Ibrahim, com quem havia trabalhado nas escavações em Carchemish, e que ficaria responsável por administrar os trabalhadores locais em Ur. Woolley explorou a paisagem local. Em 1923, ele havia decidido onde começar e duas grandes trincheiras foram cavadas, e dentro de uma semana os resultados começaram a aparecer. Na trincheira A, a equipe encontrou evidências de enterros e joias feitas de ouro e pedras preciosas. Eles a chamaram de "trincheira de ouro". Na trincheira B, os trabalhadores encontraram evidências de um grande muro e das ruínas de vários edifícios antigos. Nas temporadas seguintes, eles fizeram excitantes descobertas, e parte da equipe começou a limpar os escombros ao redor do zigurate. Esse monumento era construído de tijolos e betume.

Woolley também voltou sua atenção para edifícios fora da área do templo. Ele revelou um grande número de casas e descobriu muito sobre a vida cotidiana em Ur. Até agora, ele e sua equipe haviam descoberto tantos objetos que grande parte do tempo era gasto em gravação. Em 1927, após cerca de quatro anos de escavações, Woolley decidiu voltar suas atenções para a 'trincheira de ouro'. Ele começou a cavar várias sepulturas e ao lado dos corpos descobriu vasos de cerâmica, pentes, armas e joias. Os materiais na foto abaixo são a lira da rainha Puabi, uma adaga de ouro encontrada em Ur em janeiro de 1928 e um capacete martelado a partir de uma única folha de ouro de 18 quilates.
"E disseram uns aos outros: Vinde, façamos tijolos e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o betume, de argamassa". (Gênesis 11.3).
Por conta dessa passagem bíblica, alguns teólogos acreditam que o zigurate de Ur pode ter sido a antiga torre de babel.
O zigurate é uma forma de templo, criada pelos sumérios e comum para os babilônios e assírios, pertinente à época do antigo vale da Mesopotâmia e construído na forma de pirâmides terraplanadas. O formato era o de vários andares construídos um sobre o outro, com o diferencial de cada andar possuir área menor que a plataforma inferior sobre a qual foi construído - as plataformas poderiam ser retangulares, ovais ou quadradas, e seu número variava de dois a sete.



" Uma característica singular dessas sepulturas era que continham, além do que parecia ser o corpo principal, os corpos de homens e mulheres interpretados por Wooley como 'servos' e talvez vítimas sacrificiais. (...) Aos homens eram dados machados, punhais, facas, pedras de amolar, assim como coberturas para a cabeça feitas de bandas de ouro com pedras incrustadas. As mulheres ostentavam tiaras douradas, touca no formato de folhas, pentes, brincos e gargantilhas". (LEICK, 2003, p.135)
No túmulo da rainha Puabi, cinco corpos de homens guardavam a porta, e dez mulheres a acompanhavam, além de duas outras mulheres que estavam ao seu lado. Woolley explicou essa situação com a formulação da teoria de um ritual de sacrifício humano coletivo. Segundo ele, os reis e rainhas, no momento da sua morte, teriam sido acompanhados ao túmulo pelos seus servos, que teriam se suicidado em algum tipo de ritual, para que fossem enterrados ao lado desses governantes, os acompanhando para o outro mundo.

As casas da cidade de Ur também eram muito bem montadas. Sua arquitetura era bastante avançada para a ocasião. No lado rico da cidade as casas tinham em média entre dez a quatorze cômodos cada uma. Vários jogos de mesa foram encontrados e junto deles restos de brinquedos que nos dão a ideia de que haviam muitas crianças por ali. A população de Ur deveria contar com aproximadamente 65.000 habitantes, todas em seu perímetro urbano.
Abaixo podemos observar um vídeo que se refere ao Estandarte de Ur. Esse objeto está atualmente exposto no Museu Britânico. Ele é bem menor do que parece a primeira vista. Tem apenas 21,7 cm de altura, por 50,4 cm de comprimento. O Estandarte de Ur foi encontrado em um dos maiores túmulos do Cemitério Real de Ur, em um canto de uma câmara sobre o ombro de um homem. Sua função original ainda é desconhecida. Leonardo Woolley imaginou que era carregado em uma estaca como um estandarte, por isso o seu nome. Outra teoria sugere que seria uma caixa de som para ressonância de algum instrumento musical de corda. Alguns livros nacionais chamam esse objeto de "O Padrão de Ur". Isso se deve a um erro de tradução, a palavra "Standard" em inglês pode ser traduzida também como padrão, mas nesse caso a tradução correta é Estandarte. O objeto é feito de um quadro de madeira, com mosaicos de conchas, calcário vermelho e lápis azul, fixados com betume. Os painéis principais são conhecidos como o "Guerra" e "Paz". O painel "Guerra" mostra uma das primeiras representações de um exército sumério. Carruagens, cada uma puxada por quatro burros, atropelam inimigos; infantaria vestindo capas carregam lanças; soldados inimigos são mortos com machados, outros são levados em procissão nus e apresentados ao rei que segura uma lança. O painel "Paz" mostra animais, peixes e outros bens sendo levados em procissão para um banquete. Figuras sentadas vestindo saias franjadas, bebem acompanhadas por músicos tocando liras. Cenas de banquetes como essa são comuns em selos cilíndricos desse período, como o selo da Rainha Puabi, também em exibição no Museu Britânico. Os painéis triangulares laterais mostram cenas fantasiosas que estão danificadas.
As investigações arqueológicas, nos permitem hoje afirmar, que Ur tinha um excelente sistema de canais e aquedutos que mantinham a cidade sempre abastecida de muita água. Isto era excelente para a agricultura que não ficava dependente apenas das chuvas sazonais. (transposição do rio Eufrates em volta da cidade de Ur na foto abaixo).

Cada uma das cidades de Ur tinham em sua fundação um erguimento de um altar de sacrifícios seguido de uma construção de uma torre templo que servia de centro cúltico para toda região. Quando Woolley chegou ao assentamento arqueológico de Ur encontraram uma enorme montanha de terra que lhe chamou muita a atenção. Quando começaram a escavá-la em 1922, foram surpreendidos com a estrutura que estava debaixo no qual se trata dos restos de uma torre templo que figurava como estrutura central de toda cidade. (Zigurate de Ur depois das escavações).

"Tomou Tera a Abrão, seu filho, e a Ló, filho de Harã, filho de seu filho, e a Sarai, sua nora, mulher de seu filho Abrão, e saiu com eles de Ur dos caldeus, para ir à terra de Canaã; foram até Harã, onde ficaram". (Gênesis 11.31)
Não deve ter sido nada fácil para Abraão deixar um centro urbano tão rico para se tornar nômade vagando pelo deserto. Talvez muitos de seus amigos o aconselhou para que não partisse de Ur com seu pai para Harã. Não abandonar aquela próspera cidade. Como poderia alguém trocar o conforto de um centro urbano como era Ur pelas areias quentes do deserto e a incerteza de uma tal "terra da promessa" que ninguém nunca viu? Isto parecia loucura! Mas o fato, de acordo com o livro dos Hebreus, era que Abraão tinha sonhos muito maiores do que os habitantes de Ur e Harã. Ele esperava algo mais:
"Pela fé, Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia ...porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus" . (Hebreus 11.8 e 10)
A pergunta que fazemos nesse momento é a seguinte: qual era a necessidade que Deus tinha de tirar Abrão de Ur e fazê-lo atravessar toda a Mesopotâmia e levá-lo a uma terra que não possuía nem se quer fontes seguras de águas? Porque Deus não fez de Ur dos caldeus a terra prometida a Abraão já que ela possuía toda a estrutura necessária para se começar uma nação escolhida?
Ao que tudo indica, o paganismo cultural da região obrigou a família de Abrão a se ausentar de prósperas e bem estruturadas cidades como Ur e Harã, mas com tudo isso o que determinou o sucesso de Abrão foi a sua fé em Deus para obedecer mesmo sem poder contemplar antecipadamente o que o Senhor tinha preparado para ele:
"Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai-te na tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei." (Gênesis 12.1)
No idioma hebraico, essa ordem de Deus "vai Abrão" é uma expressão muito forte.
Deus disse: "Lech Lechá" (vai Abrão) que quer dizer: "Vai por ti mesmo", "Vai sem medo; sem olhar para trás".
E Abraão foi. E por que ele foi? A resposta está em Tiago capítulo 2 versículo 23:
"E cumpriu-se a Escritura que diz: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus."
Aqui está o segredo da fé de Abraão: Deus era seu amigo. Abraão conhecia a voz de seu Senhor. A rainha Puabi foi sepultada com suas joias e seu esplendor e hoje, não passam de meras peças de museus. Mas Abraão preferiu guardar seu tesouro como disse Jesus, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde o ladrão não pode roubar. Este sim, é o melhor tesouro do mundo. Aleluia!